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26 de Abril de 2024

Considerações sobre o princípio da privacidade em Black Mirror

Análise dos impactos da memória granular sobre a privacidade dos indivíduos no episódio "The entire history of you".

Publicado por Sabrina Florêncio
há 7 anos

Consideraes sobre o princpio da privacidade em Black Mirror

Direito ao esquecimento e Memória Granular em "The entire history of you" - Reflexões sobre privacidade.

Olá internautas, sejam muito bem vindos à coluna “Luz, Câmera e Direito”, integrante do quadro de colunas jurídicas da Fanpage do Oliveira, Florêncio & Ferreira Gomes Advocacia & Consultoria Jurídica. Teremos aqui, por objetivo, tratar de temas relevantes do Direito, sempre fazendo um paralelo com a sétima arte. Peço vênia desde o início para me abster de um linguajar estritamente jurídico, uma vez que o objetivo é falar a todos, fazendo deste texto o mais democrático possível quanto a destinação de sua mensagem.

AÇÃO! O filme escolhido na verdade é um episódio do seriado inglês Black Mirror, de Charlie Brooker, que apesar de ter sido lançado em 2012, recebeu muita repercussão em 2016, acredita-se que graças ao Netflix e a projeção que a plataforma proporciona aos bons filmes e séries. Antes que perguntem do que se trata Black Mirror, por favor assistam! É uma das melhores séries dos últimos templos (na singela opinião da autora deste texto). O episódio, propriamente dito, trata-se de “The entire history of you”, em que toda a história gira em torno do conceito de privacidade, proporcionando reflexões sobre o conteúdo jurídico que será debatido: O direito ao esquecimento e o princípio da privacidade.

Adotar-se-á a metodologia do Direito e Narrativa, onde, no transcorrer do texto, utilizarei de um e outro em paralelo para o desenvolver das ideias. Ressalte-se que as reflexões do texto não têm por escopo esgotar a matéria, mas fomentar discussões em torno de algo tão relevante, como a privacidade, e que, em um contexto de expansão da mídia e das redes sociais, tem sido cada vez mais mitigado.

O princípio da privacidade, assim como a imagem e a intimidade dos indivíduos possuem proteção na Lei Maior do ordenamento jurídico brasileiro, no inciso X do catálogo dos direitos individuais: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Sendo a privacidade e a intimidade conceitos distintos (MENDES, GONET, 2012, p.318), podendo a primeira ser relativizada, por incluir uma esfera de interação com o público passível de regulação, algo que não cabe a intimidade, bem mais restrita.

As dificuldades quanto ao alcance dos termos já eram consideráveis à época do surgimento da Constituição, pois “a vida privada cobre um vasto campo e está sujeita a interferências emocionais” (MENDER, GONET, 2012, p.320), conquanto, tal complexidade tem se intensificado em proporções incalculáveis no cenário da sociedade de informação atual. Distopias como “1984” já estão se assentando hodiernamente com o próprio consentimento dos indivíduos observados, em ferramentas como o “live” no “snapgram”. O episódio “The entire history of you” leva a nível extremamente elevado a reflexão sobre o assunto com o seu enredo.

A história não teria nada de anormal, salvo um mecanismo denominado “Memória granular”, consistente em um chip subcutâneo implantado na parte posterior da orelha, que armazena toda as memórias do indivíduo, manuseadas por um mini controle que permite que qualquer pessoa tenha acesso a qualquer memória, desde que possua acesso ao controle. Em memória granular, os registros são também manipuláveis e editáveis, conquanto, é possível saber que houve edição na memória. Esse mecanismo permite que se delete “memórias inúteis” e que se instalem padrões desejáveis.

O episódio mostra cenas em que os amigos solicitam acesso a determinadas arquivos, o que constrange deveras o personagem. Voltando para a realidade, por vezes fornecemos dados para nos beneficiarmos de certos recursos ou benefícios da sociedade de informação que os fragilizam. Nesse momento cabe a indagação:

  1. Será que a minha proteção a privacidade deixa de existir porque abri mão em face daquele serviço que desejava usar?
  2. O Estado deverá se manter inerte diante desse contexto?

A questão vem sendo bastante discutida, inclusive em âmbito internacional, sendo de indispensável leitura o marco do julgamento Google Spain SL, Google Inc. V Agencia Española de Protección de Datos, Mario Costeja González, do Tribunal Europeu, de onde adveio a Diretiva 95/46/CE que constitui o texto de referência, a nível internacional, em matéria de proteção dos dados pessoais. Basicamente, a orientação no que tange a proteção desses dados pessoais, da vida privada e da privacidade das pessoas, é no sentido de que será possível invocar o “Direito ao esquecimento” para tutelar uma parcela temporal dos dados fornecidos e em posse dessas empresas, desde que preenchidos alguns requisitos de relevância e interesse da pessoa que o invoca, o qual será ponderado com o interesse público. Por exemplo, a apresentadora Xuxa tem em seu histórico um filme pelo qual se arrepende e a sua imagem associada ao mesmo lhe causa prejuízos profissionais e transtornos pessoais. Não há interesse público na tutela da informação que justifique o indeferimento do Direito ao esquecimento, caso seja invocado. Saliente-se que, no Brasil, o Direito ao esquecimento foi tema na VI jornada de Direito Civil, precisamente no enunciado 531:

“A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.

O Superior Tribunal de Justiça, vem acolhendo a tese, não obstante divergências doutrinárias. (ver os julgados: REsp 1.335.153-RJ e REsp 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 28/5/2013, ver ainda, TJ-RS – Apelação Cível AC 70063337810 RS TJ-RS).

Voltando agora para o Black Mirror, se o Liam não tivesse tantas informações, será que ele sofreria da mesma forma? Ainda que ele tivesse direito a ter as informações que quisesse, sua esposa poderia evocar o Direito ao esquecimento da sua memória granular? Essas respostas a gente vai conversar no inbox pra não estragar a surpresa de quem ainda não assistiu. Até logo pessoal, Corta!

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11 Comentários

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Parabéns por levantar esse assunto tão atual! Caminhamos para um mundo em que tudo será explícito - com ou sem o nosso consentimento. Isso me lembra um conto que li faz muito tempo, sobre um rei que amava a verdade e pediu que um mago encantasse as águas do reino para que todos fossem obrigados a dizê-la. O mago alertou-o de que, a partir daí, ele passaria a ouvir a verdade também a respeito de si próprio. Ele respondeu que estava preparado para isso. A confusão não tardou a acontecer. Ele, ao contrário de antes, quando perguntava sobre seu governo ouvia observações muito duras do tipo: "o senhor é um incompetente, não tem a menor aptidão para governar". O rei aceitava isso com tranquilidade, mas os demais súditos estavam em guerra, a tal ponto que ele pediu ao mago que retirasse o encanto das águas. O mago pediu-lhe paciência. Era uma questão de tempo. Todos se acostumariam com a verdade e a paz voltaria. E assim se deu. Tenho baseado minha vida numa frase cujo autor não conheço, mas acho fantástica: "Só faça aquilo que puder contar e só escreva o que puder assinar". Acho que, querendo ou não, teremos que partir para um modo de vida honesto e transparente se quisermos dormir em paz. Que o digam os investigados da Lava-jato. continuar lendo

Marlene, que oportuna e pertinente essa sua consideração. Não conhecia esse conto. De fato, até quando aguentará expor frivolidades dentre outras imagens que não são reais. Uma hora essa exposição externará o real de cada um e, então, veremos, de que forma isso atuará diante de todo esse cenário ilusório que se constrói através das mídias. Seremos mais concretos? continuar lendo

Qual o nome desse conto? continuar lendo

Amei o conto tanto quanto a frase "Só faça aquilo que puder contar e só escreva o que puder assinar". continuar lendo

Ah, que texto gostoso de ler!
Amo demais essa série, pirei em San Junipero. continuar lendo

San Junipero é perfeito! <3 continuar lendo

A questão é sobre o que e até onde vai o tal direito ao esquecimento. É o confronto entre o direito ao esquecimento e o direito à informação. E isso pode ter impacto sobre o consentimento, viciando-o.

Imaginemos que um indivíduo tenha suas ideologias, filosóficas ou religiosas, que só lhe permite se relacionar com pessoas com determinado perfil. Em sua opção pessoal, sua crença é fator da mais alta relevância de sua vida, a ponto de que ele até mesmo a tiraria em prol desta convicção.

Ele, enfim, descobre que tem relacionamento com uma pessoa que mentiu sobre si por vários anos. Tem ele o direito de anular aquela relação? Em face da mentira intencional, teria ele direito à indenização por danos morais? O direito da (o) parceiro (a) de ocultar seu passado pode se sobrepor ao direito do indivíduo de saber com quem, de fato e de direito, está se relacionando?

Muitos tentam se valer da discussão em torno do direito ao esquecimento para ocultar fatos que seriam relevantes para escolha de outrem ... seja no emprego, nas relações pessoais, etc. ..., até mesmo em caso de crimes cometidos a muito tempo.

Um pode ter direito a ser esquecido quanto a alguns fatos, mas outros têm o direito de saber quem você é quando resolve adentrar na vida deles. E quem vai dizer que fatos são relevantes ou não? Irão impor a todos os indivíduos, a par de suas crenças e convicções pessoais, esta realidade paralela com fatos apagados ou camuflados? Como acham que farão isso diante de tantas culturas existentes?

O problema maior que vejo é a banalização do certo/errado e do moral/imoral, onde queremos impor nossas vontades, ou a que mais nos convém, aos outros ... é como achar que tenho o direito de fazer isso ou aquilo e depois não ser condenado por este ou aquele. Estes conceitos variam conforme me favoreçam ou me prejudiquem ... é o "posso fazer o que eu quiser". continuar lendo

Interessante as ponderações de vocês colegas, esse assunto é, de fato, instigante, mas ao levantarem os limites do direito ao esquecimento, atentem que no texto isso foi bem marcado no trecho:

"é no sentido de que será possível invocar o “Direito ao esquecimento” para tutelar uma parcela temporal dos dados fornecidos e em posse dessas empresas, desde que preenchidos alguns requisitos de relevância e interesse da pessoa que o invoca, o qual será ponderado com o interesse público."

A ponderação principiológica é marcante hodiernamente, não há como prescrever uma solução, uma vez que, diante de direitos conflitantes, as situações serão sempre analisadas caso a caso.

Saudações fraternais! continuar lendo